A exclusão dos excluídos
A história da Paola é o retrato do Brasil. Pobre, ou melhor, de uma família miserável, vive nos barracos da comunidade do Lixão, na área do antigo e vergonhoso aterro sanitário de Gramacho, em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio. O aterro que recebia boa parte do lixo produzido pela capital acabou, mas as famílias de catadores estão lá, jogadas e vivendo abaixo da linha da pobreza. Dentre eles está Paola, de 14 anos. Com paralisia cerebral, está confinada em uma cadeira de rodas, obviamente doada. Vive em condições sub humanas. NUNCA foi à escola, NÃO recebe qualquer atenção pública, NUNCA passou por sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, absolutamente nada. A prefeitura de Duque de Caxias não sabe, e não quer saber de sua existência. Nem mesmo o governo do Estado do Rio sabe que ela existe. Fora de qualquer programa público, ninguém sabe o potencial que ela possui. É a exclusão de alguém já excluído.
Paola é um exemplo do que acontece em todos os cantos, até mesmo entre as pessoas de classe média. Muitas vezes a inclusão é dura, suada e incrivelmente difícil. Não dá para entender. Tente fazer um tratamento dentário em seu filho que precise de uma atenção especial. Veja quanto isso vai custar. Será que existem serviços no setor público? Como alcançá-los?
Me emocionei com a história dessa menina. Graças a uma ex-aluna e agora amiga, Rose Novaes, descobri o trabalho espetacular que ela e alguns amigos realizam. A "Corrente do Bem", nome do projeto capitaneado por Rose, atua em silêncio, apenas com a boa vontade de outros cariocas em ajudar e melhorar a qualidade de vida de outras pessoas. Rose descobriu Paola em seu trabalho no lixão, há cerca de dois anos, e vem se empenhando em ajudá-la. Já tentou de tudo para tirar a menina dessa prisão. Até hoje não encontrou nenhuma porta aberta. Agora eu entrei nessa luta e vamos brigar para que ela tenha o mínimo direito a uma vida decente.
A situação é tão grave que foi uma surpresa quando Rose colocou um tablet no colo de Paola. A menina simplesmente mexeu a mão direita, sorriu e tocou na tela. Ninguém sabia que ela era capaz de fazer isso. Também, como alguém saberia se ela está lá, sentada em sua cadeira, sem qualquer ajuda? Rose estava querendo oferecer a ela alguma diversão e me disse que que um aparelho eletrônico seria ideal para isso. Consultei minha turma de trabalho e prontamente meu chefe e amigo Agostinho Vieira se prontificou a dar o seu tablet. Peguei, dei uma carinha mais alegre, coloquei uma capa em tecido e adesivos. Baixei programas gratuitos para que ela pudesse ver. E a entrega foi feita no último domingo (17). A surpresa foi imensa. E a nossa indignação ainda maior. Como essa menina está há 14 anos excluída do sistema de ensino, da rede de saúde? Como isso pode acontecer em 2017?
O retrato cruel do Brasil
Paola é a cara do Brasil. Por mais otimista que tentemos ser, o país é excludente, miserável e desigual. Temos quase 50 milhões de pessoas na linha da pobreza, ao nosso lado, e milhares delas precisam de atenção especial. Mas essa exclusão, no caso de uma pessoa com deficiência, transcende a questão financeira. Obviamente a vida no Lixão é duplamente excludente. Mas as dificuldades estão no dia-a-dia para qualquer família. O principal desafio é fazer a informação fluir. Hoje, o mais difícil é entender e cobrar seus direitos. Os serviços básicos existem, mas as autoridades públicas não fazem questão de apresentar, de facilitar a vida de quem precisa. Eu mesma nunca consegui encontrar informações sobre serviços odontológicos na rede pública, por exemplo. Se eu que tenho facilidade em buscar informações nas redes não consigo encontrar, imagine a mãe da Paola lá no fundo do Lixão, no lugar onde o serviço público não chega?
Estamos muito aquém das condições básicas para os deficientes. Os avanços estão acontecendo mas o básico precisa chegar a todos. E o cuidado com a informação precisa ser um objetivo. Quantas Paolas estão perdidas pelo Brasil esperando a chance de ter uma oportunidade para mostrar seu potencial? O que não é bom para um, não é bom para todos. Esse deveria ser o nosso mantra.
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